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terça-feira, 12 de julho de 2011

H.P.Lovecraft-O Alquimista



       O ALQUIMISTA 


Por:H.P Lovecraft
                                                                                       Tradução: Renato Suttana 



                                         

         o   alto,  coroando     o  topo   gramado     de   um   morro    cujos   flancos,   próximo     à  base,   são
  Nguarnecidos            pelas   árvores   de   galhos   retorcidos    da  floresta   primeva,    situa-se   o  velho
  chateau   de   meus   ancestrais.   Durante   séculos,   suas   ameias   altíssimas   têm   vigiado   a   paisagem
  selvagem e irregular à sua volta, servindo de lar e de refúgio para a casa altiva cuja honorável
  linhagem é mais velha do que as muralhas do castelo que o musgo recobre. Essas torres antigas,
  batidas durante gerações inteiras pelas tempestades e que aos poucos vão cedendo à lenta mas
  incoercível   pressão   do   tempo,   compuseram   na   época   do   feudalismo   uma   das   mais   temidas   e
  formidáveis fortalezas de toda a França. Das suas galerias, parapeitos e ameias, barões e condes
  e mesmo reis foram desafiados, sem que em seus largos vestíbulos jamais tivesse ressoado o som
  dos passos do invasor.

         Mas, desde aqueles dias gloriosos, tudo mudou. Uma pobreza pouco mais que remediada,
  somada   a   um   orgulho   de   casta   que   proíbe   aliviá-la   com   recurso   aos   expedientes   comerciais,
  impediu os descendentes de nossa casa de conservarem o antigo esplendor de suas propriedades;
  e o aspecto decadente dos muros, a vegetação crescida dos parques, o fosso seco e pedregoso, os
  pátios    mal   pavimentados,      as  torres   arruinadas,    bem   como     os  pisos   destruídos,    os  lambris
  carcomidos      e   as   tapeçarias  gastas,  tudo   conta   a   triste   história   de   uma   grandeza   decadente.
  Enquanto       as  épocas     passavam,     primeiro     uma,    depois    outra   das    quatro    grandes    torres
  desmoronou, até que finalmente restou apenas uma para abrigar os descendentes daqueles que
  um dia foram os poderosos senhores da propriedade.

         Foi numa das câmaras amplas e depressivas dessa torre remanescente que eu, Antoine, o
  último dos infelizes e malditos condes de C***, vi pela primeira vez a luz do dia, há noventa
  longos anos. Entre estes muros e em meio às florestas negras e sombrias, às ravinas selvagens e
  às grutas da encosta abaixo, transcorreram os primeiros anos de minha tormentosa vida. Meus
  pais, eu nunca os conheci. Meu pai morreu quando tinha trinta e dois anos, um mês antes de eu
  nascer, atingido por uma pedra que de algum modo se desprendeu dos   parapeitos desertos do
  castelo. E, tendo minha mãe morrido quando nasci, minha educação e minha formação ficaram a
  cargo do único serviçal que restou, um homem velho e fiel, de considerável inteligência, cujo
  nome – lembro-me – era Pierre. Sendo filho único, a falta de companhia que isso acarretou para
  mim foi acrescentada pelo cuidado estranho que meu velho protetor me dedicava, afastando-me
  dos filhos dos camponeses cujas moradias se espalhavam aqui e ali pelos plainos que rodeiam a
  base   da   colina.   Naquele   tempo,   Pierre   disse   que   tal   restrição   era   imposta   sobre   mim   porque
  minha ascendência nobre me colocava acima das associações com tão plebeia companhia. Agora
  sei que seu real objetivo era manter distante de meus ouvidos certas histórias acerca da temível

                                             


  maldição   que   pende   sobre   nossa   linhagem,   histórias  que   eram   contadas   à   noite   e   aumentadas
  pela raia miúda, entre sussurros à luz de suas lareiras.

         Assim, isolado e deixado à própria sorte, passava eu as horas de minha infância debruçado
  sobre os velhos tomos que enchiam a penumbrosa biblioteca do chateau, ou a perambular sem
  destino e sem propósito através das sombras perpétuas da mata espectral que circunda o lado da
  colina próximo à base. Foi talvez por um efeito de tais deambulações que minha mente adquiriu,
  muito cedo, certa tonalidade melancólica. Aqueles estudos e perquirições que se voltam para o
  que há de escuro e de oculto na natureza atraíram fortemente a minha atenção.

         Sobre minha própria raça foi-me permitido aprender bem pouco. No   entanto, por menor
  que   fosse,   tal   conhecimento   me   oprimiu   bastante.   Talvez   tenha   sido   no   princípio   apenas   a
  relutância de meu velho preceptor em discutir comigo sobre minha ascendência paterna que deu
  origem ao terror que sempre senti à simples menção de minha grande casa, porém à medida que
  fui   crescendo   tornei-me   capaz   de   ajuntar   fragmentos   esparsos   de   discurso,   involuntariamente
  escapos de uma língua que a senilidade começava a trair, os quais tinham algum tipo de relação
  com   certa   circunstância   que   sempre   considerei   estranha,   mas   que   logo   se   tornou   sombria   e
  terrível.   A   circunstância   a   que   aludo   é   a   idade   precoce   na   qual   todos   os   condes   de   minha
  linhagem   encontraram   o   seu   fim.   Enquanto   até   então  considerei   isso   como   sendo   apenas   o
  atributo natural de uma   família de homens que   morriam jovens, ponderei depois, longamente,
  sobre   essas   mortes   prematuras   e   comecei   a   conectá-las   com   as   tresvariações   do   velho,   o   qual
  falava frequentemente de uma maldição que durante séculos fizera com que as vidas daqueles de
  quem herdei o título não excedessem o prazo dos trinta e dois anos. Quando fiz vinte e um anos,
  o idoso Pierre me entregou um documento de família que, segundo dizia, ao longo de muitas
  gerações   tinha   sido   passado   de   pai   para   filho,   continuando   a   sê-lo   por   cada   possuidor.   Seu
  conteúdo era de uma natureza absolutamente espantosa, e sua leitura confirmou as minhas mais
  graves apreensões. Por essa época, minha crença no sobrenatural era firme e bem assentada, caso
  contrário teria tratado com desdém a narrativa incrível que se desdobrou diante dos meus olhos.

         O papel levou-me de volta aos dias do décimo terceiro século, quando o velho castelo onde
  eu morava fora uma fortaleza temida e inexpugnável. Falava de certo homem, muito velho, que
  um dia habitara em nossas propriedades, pessoa de não pequenas habilidades, embora se tratasse
  de pouco mais que um camponês, de nome Michel, comumente designado pelo sobrenome de
  Mauvais, o Mau, por conta de sua reputação sinistra. Tinha estudos superiores aos da sua casta,
  buscando   tais   coisas   como   a   Pedra   Filosofal   e   o   Elixir   da   Vida   Eterna,   e   sua   reputação   era
  grande   como   conhecedor   de   Magia   Negra   e   Alquimia.   Michel   Mauvais   tinha   um   único   filho,
  Charles, um jovem tão hábil quanto o pai nas artes ocultas, e que por isso era chamado de Le
  Sorcier, ou o Mago. Esse par, evitado por toda a gente honesta, era suspeito das práticas mais
  infames. Dizia-se que o velho Michel tinha queimado viva a própria esposa, num sacrifício ao
  Demônio,      e  o  desaparecimento       inexplicável    de   muitos   filhos   pequenos     de  camponeses      era
  atribuído aos umbrais temíveis desses dois. No entanto, através da natureza negra do pai e do
  filho, passava ainda assim um raio redentor de humanidade: o homem mau amava sua cria com
  enorme intensidade, enquanto o jovem nutria pelo pai uma mais que filial afeição.

         Certa noite, o castelo mergulhou em grande confusão, com o desaparecimento do jovem
  Godfrey, rilho de Henri, o conde. Um grupo de busca, liderado pelo pai em desespero, invadiu a
  cabana dos feiticeiros e caiu sobre o velho Michel Mauvais, que se achava ocupado em mexer
  um   grande   caldeirão   fervente.   Sem   uma   causa   definida,   na   loucura   desgovernada   que   vem   da
  fúria e do desespero, o conde deitou as mãos no idoso mago e, antes mesmo que o libertasse, sua
  vítima   já   não   mais   respirava.   Entrementes,   alegres  criados   alardeavam   que   o   jovem   Godfrey
  tinha sido encontrado numa câmara distante e pouco utilizada do grande edifício, dizendo tarde
  demais que o velho Michel fora morto em vão. Enquanto o conde e seus seguidores se retiravam

     

  da pobre habitação do alquimista, a figura de Charles Le Sorcier surgiu de entre as árvores. A
  tagarelice   excitada   dos   caseiros   informou-o   logo   do   que   ocorrera,   mas   ele   não   demonstrou   a
  princípio   nenhuma   reação   frente   ao   destino   do   pai.    Só   então,   avançando   lentamente   para   o
  conde,   pronunciou   num        acento   monótono   e   ao   mesmo   tempo   terrível   a   maldição   que   para
  sempre assombraria a casa de C-:

  “Que nobre algum da tua estirpe matadora
  Idade venha a ter mais do que tens agora.”

         Assim   falou   e,   de   repente,   recuando   em   direção   à   mata,   sacou   de   sua   túnica   um   frasco
  contendo um líquido incolor que atirou contra a face do assassino de seu pai, para desaparecer
  em seguida em meio aos cortinados escuros da noite. O conde morreu sem dizer uma palavra,
  sendo enterrado no dia seguinte, com pouco mais do que trinta e dois anos contados a partir do
  seu nascimento. Nenhum vestígio do assassino foi encontrado, conquanto bandos incansáveis de
  camponeses tivessem batido toda a mata circundante e as campinas ao redor do monte.

         Assim o tempo e a falta de algo que a recordasse sopitaram a memória da maldição nas
  mentes da família do conde, a tal ponto que, quando Godfrey, causa inocente de toda a tragédia e
  agora portador do título, foi morto por uma flecha, durante uma caçada, com a idade de trinta e
  dois anos, em nada se pensou a não ser na dor   de seu desaparecimento. Porém, quando, anos
  mais tarde, o jovem conde seguinte, de nome Robert, foi encontrado morto sem causa aparente
  num   campo   próximo,   os   camponeses   murmuraram   que   seu   senhor   mal   tinha   completado   o
  trigésimo segundo aniversário quando a morte o surpreendeu. Louis, filho de Robert, se afogou
  no fosso com a mesma idade fatal, e assim a crônica ominosa prosseguiu ao longo dos séculos:
  Henris,   Roberts,   Antoines   e   Armands,   todos   arrancados   de   suas   vidas   felizes   e   virtuosas   com
  pouco menos idade que a do seu desafortunado ancestral que cometera o assassinato.

         Que me restavam ainda, quando muito, sete anos de existência tornou-se uma certeza para
  mim quando li tais palavras. Minha vida, que até então tivera pouco valor, tornou-se para mim
  mais preciosa a cada dia que passava, ao mesmo tempo em que mergulhei mais e mais fundo nos
  mistérios   do   mundo   oculto   da   magia   negra.   Isolado   como   eu   vivia,   a   ciência   moderna   não
  produzira   nenhuma   impressão   em   mim,   e   lidava   como   se   vivesse   na   Idade   Média,   tão   ávido
  quanto   o   velho   Michel   e   o   jovem   Charles   da   aquisição   do   saber   demoníaco   e   alquímico.   No
  entanto,   por   mais   que   lesse,   não   podia   atinar   com   o  estranho   feitiço   que   pesava   sobre   minha
  linhagem. Em certos momentos de racionalidade incomum, eu poderia ir ao ponto de procurar
  uma explicação racional, atribuindo as mortes precoces de meus ancestrais ao sinistro Charles Le
  Sorcier   e   seus   herdeiros.   Contudo,   tendo   descoberto,   após   cuidadoso   inquérito,   que   não   havia
  descendentes conhecidos do alquimista, eu mergulharia de novo nos estudos ocultos e tentaria de
  novo encontrar um encantamento que pudesse livrar minha casa de seu terrível fardo. De uma
  única coisa, porém, estava certo: jamais me casaria, desde que, não havendo mais nenhum ramo
  vivo de minha família, eu poderia desse modo, em mim mesmo, dar fim à maldição.

         Quando   me   aproximei   da   idade   dos   trinta,   o   velho   Pierre   partiu   desta   para   a   melhor.
  Sozinho,   sepultei-o   sob   as   pedras   do   pátio   ao   longo  do   qual   ele   amava   perambular   enquanto
  vivo. Assim, tomei consciência de ser a única criatura viva que ainda restava na grande fortaleza,
  e   na   solidão   extrema   minha   mente   começou   a   esmorecer   em   seu   vão   protesto   contra   o   fado
  iminente, reconciliando-se quase com o destino que tinha sido o de muitos de meus ancestrais.
  Grande   parte   do   meu   tempo   era   agora   empregada   na   exploração   das   salas   e   torres   ruinosas   e
  abandonadas do velho chateau, que na juventude o medo me fizera evitar, e algumas das quais o
  velho Pierre me dissera não tinham sido pisadas por pés humanos por mais de quatro séculos.
  Estranhos e inquietantes eram muitos dos objetos que encontrei. Mobília coberta pela poeira das
  eras   e   desmanchando-se   na   umidade   dos   anos   caía-me  sob   os   olhos.   Teias   de   aranha   numa

 
  profusão que eu jamais vira antes se estendiam por toda parte, e enormes morcegos batiam suas
  asas ossudas e agourentas por todos os cantos naquele sombrio abandono.

         De minha idade exata – incluindo-se dias e horas – eu mantinha a mais estrita conta, pois
  cada   movimento   do   pêndulo   do   relógio   maciço   na   biblioteca   soava   como   uma   intimação   em
  minha existência condenada. Por fim me aproximei daquele dia que tão longamente eu aguardara
  com     apreensão.     Desde    que   muitos    de   meus    ancestrais  foram     apanhados      pouco    antes   de
  completarem   a   idade   com   a   qual   o   conde   Henri   encontrara   seu   fim,   eu   permanecia   a   cada
  instante à espera da morte desconhecida. De que estranha forma a maldição me levaria eu não
  podia saber. Mas havia decidido que não encontraria em mim uma vítima covarde ou passiva.
  Com renovado vigor, apliquei-me ao exame do velho chateau e do que havia nele.

         Foi durante uma de minhas mais longas excursões de descobrimento pela porção deserta
  do castelo, menos de uma semana antes da hora fatal que marcaria o limite extremo de minha
  estada na terra, para além do qual eu não tinha a mais ligeira esperança de continuar a respirar,
  que me deparei com o evento culminante de toda a minha vida. Tinha passado a melhor parte da
  manhã subindo e descendo lances de escada semi-arruinados numa das torres mais dilapidadas.
  Quando a tarde avançou, busquei os níveis inferiores, descendo em direção ao que parecia ser
  um lugar medieval de confinamento ou um depósito para pólvora mais recentemente escavado.
  Enquanto eu atravessava lentamente o corredor cujas paredes exalavam a nitrato, próximo ao pé
  da última escada o piso tornou-se bastante úmido, e logo vi, pela luz vacilante de minha tocha,
  que uma parede nua, manchada pela umidade, impedia a passagem. Voltando sobre meus passos,
  dei com os olhos num pequeno alçapão com uma argola, o qual jazia bem embaixo dos meus
  pés.   Parando,   consegui   erguê-lo   com   certa   dificuldade,   após   o   que   uma   abertura   estreita   se
  revelou, da qual exalavam emanações nocivas que fizeram crepitar a chama da tocha, revelando
  ao clarão mais forte o topo de um lanço de degraus de pedra.

         Tão    logo   a  tocha   que   introduzi    nas  profunduras     repulsivas    ardeu    livre  e  vivamente,
  comecei a descer. Os degraus eram muitos e conduziam a um corredor calçado de pedras que eu
  sabia   devia   levar   ao   subsolo   mais   embaixo.   Esse   corredor   pareceu-me   de   grande   extensão,
  terminando numa porta maciça de carvalho, sobre a qual a umidade do lugar escorria em gotas e
  que   resistiu   energicamente   às   minhas   tentativas de  abri-la.   Cessando,   depois   de   algum   tempo,
  meus     esforços   nesse   sentido,   recuei   alguns    passos   rumo    aos   degraus,   e  então   subitamente
  experimentei   um   dos   mais   profundos   e   enlouquecedores   choques   que   uma   mente   humana   é
  capaz   de   receber.   Sem   nenhum   aviso,   ouvi   ranger   a   porta   atrás   de   mim,   sobre   os   mancais
  enferrujados,     abrindo-se     devagar.   Seria   impossível    analisar    as  minhas    sensações     imediatas.
  Confrontar-me num lugar tão completamente deserto quanto eu supunha ser o velho castelo com
  a   evidência   da   presença   de   homem   ou   espírito   produziu   em   meu   cérebro   um   horror   da   mais
  aguda qualidade. Quando, por fim, me voltei e olhei para o local de onde vinha o som, meus
  olhos devem ter saltado das órbitas frente à imagem do que viram.

         Ali,   no   corredor   antigo,   gótico,   estava   uma   figura  humana.   Era   a   figura   de   um   homem
  trajando um gorro e uma longa túnica medieval de cor escura. Seus cabelos longos e sua barba
  ondulante eram de uma tonalidade azul, intensa e terrível, e de uma profusão incrível. Sua testa,
  muito   mais   alta   do   que   as   dimensões   usuais,   suas   faces,   profundas   e   densamente   sulcadas   de
  rugas, e suas mãos longas e retorcidas, em forma de garras, eram de uma brancura marmórea,
  mortiça,   como   jamais   vi   em   homem   nenhum.   Seu   vulto,   tão   delgado   quanto   um   esqueleto,
  curvava-se e quase se perdia por entre as dobras volumosas de sua peculiar indumentária. Mas o
  mais estranho eram os seus olhos, duas cavernas de pretume abismal, profundos na expressão do
  entendimento,   porém   inumanos   no   grau   da   malignidade.   Fixavam-se   sobre   mim,   perfurando
  minha alma com o seu ódio e prendendo-me ao lugar onde eu me encontrava.



         Por fim, a figura falou numa voz trovejante cuja monotonia oca e malevolência latente me
  fizeram   gelar.   A   linguagem   em   que   o   discurso   se   desdobrou   era   aquela   forma   deteriorada   de
  latim que foi comum entre os homens instruídos da Idade Média e que se me tornou familiar em
  minhas     pesquisas     nas  obras    dos   antigos   alquimistas    e   demonólogos.      A   aparição    falou   da
  maldição      que   pendia    sobre   minha    casa,   falou-me     de  meu    fim   próximo,     aludiu   ao   crime
  perpetrado por meu ancestral contra o velho Michel Mauvais e se demorou em discorrer sobre a
  vingança     de   Charles    Le  Sorcier.    Falou-me     de  como    Charles    escapara    em    direção   à  noite,
  retornando mais tarde para matar Godfrey, o herdeiro, com uma flecha, quando se aproximou o
  dia em que este completaria a idade que o seu pai tinha na época do assassinato. Falou de como
  retornara   à   propriedade   e   se   estabelecera,   incógnito,   na   câmara   subterrânea   já   naquela   época
  deserta, cujo vestíbulo agora emoldurava o vulto medonho do narrador; falou de como apanhara
  Robert, filho de Godfrey, num campo, e metera veneno em sua garganta, e o deixara para morrer
  na idade de trinta e dois, mantendo assim as infames previsões de sua maldição vingativa. Nesse
  ponto, ficou a meu encargo imaginar a solução do maior de todos os mistérios, isto é, o modo
  como   a   maldição   tinha   sido   cumprida   desde   o   tempo   em   que   Charles   Le   Sorcier,   segundo   a
  natureza,   deveria   ter   morrido,   já   que   o   homem   entrou   em   digressões   acerca   dos   profundos
  estudos   alquímicos   dos   dois   magos,   pai      e   filho,   discorrendo   mais   particularmente   sobre   as
  pesquisas de Charles Le Sorcier quanto ao elixir que garantiria vida e juventude eterna a quem
  dele bebesse.

         Seu entusiasmo pareceu expulsar, por um momento, de seus olhos a negra malevolência
  que tanto me perturbara no princípio; porém de repente o brilho feérico retornou e, com um som
  chocante parecido ao cicio de uma serpente, o estranho ergueu um frasco de vidro com o intuito
  evidente de dar fim à minha vida, tal como Charles Le Sorcier, há seiscentos anos, liquidara com
  a   do   meu   ancestral.   Alertado   por   algum   instinto   de  autopreservação   e   autodefesa,   quebrei   o
  feitiço   que   tinha   me   mantido   imóvel   desde   então   e   assestei   a   tocha   quase   apagada   contra   a
  criatura que ameaçava minha existência. Ouvi o frasco quebrar-se de modo inofensivo contra as
  pedras do corredor, enquanto a túnica do estranho pegava fogo e iluminava a horrível cena com
  uma   radiância   fantasmal.   O   grito   de   pavor   e   malícia   impotente   emitido   pelo   quase   assassino
  pareceu   demais   para   os   meus   nervos,   já   mais   que   abalados,   e   tombei   de   bruços   sobre   o   piso
  lodoso, num completo desmaio.

         Quando,       por   fim,   meus     sentidos    retornaram,      tudo    jazia   imerso    numa     escuridão
  amedrontadora, e minha mente, lembrando-se do ocorrido, recuava frente a ideia de descobrir o
  que quer que fosse, porém a curiosidade prevaleceu. Quem, perguntei-me, era esse homem do
  mal, e como teria penetrado no castelo? Por que procuraria vingar a morte de Michel Mauvais e
  como a maldição teria sido efetivada ao longo de séculos, desde o tempo de Charles Le Sorcier?
  A ameaça dos anos fora retirada de sobre meus ombros, pois eu sabia que aquele a quem eu tinha
  vencido era a fonte de todo o perigo que me ameaçava devido à maldição. E, agora que estava
  livre,   ardia  no   desejo   de   saber   mais   acerca   da   coisa  sinistra   que   tinha  assombrado      minha
  linhagem durante séculos e que fizera de minha própria juventude um longo e contínuo pesadelo.
  Determinado   a   fazer   maiores   explorações,   saquei   do bolso   uma   pedra   e   um   objeto   metálico   e
  acendi a tocha ainda não utilizada que trazia comigo.

         Primeiramente, a luz revelou a forma distorcida e negra do estranho misterioso. Os olhos
  horrendos   estavam   fechados   agora.   Fugindo   à   visão,  desviei-me   e   entrei   na   câmara   que   havia
  para além da porta gótica. Encontrei lá o que parecia ser um laboratório de alquimista. Num dos
  cantos havia um monte de metal amarelo e reluzente que faiscou fantasticamente à luz da tocha.
  Talvez fosse ouro, mas não parei para examinar, pois me achava estranhamente afetado por tudo
  o   que   me   ocorrera.   Ao   fundo   do   cômodo   havia   uma   abertura   que   dava   para   uma   das   ravinas
  selvagens da floresta negra ao pé da colina. Cheio de espanto, mas conhecendo já o modo como
  o homem obtivera acesso ao chateau, retrocedi. Intentara passar pelo que restou do estranho sem



  lhe voltar a face, mas, quando me aproximei do corpo, pareceu-me emanar dele um ruído débil,
  tal como se a vida não se tivesse extinguido de todo. Atônito, voltei-me para examinar a figura
  carbonizada e encarquilhada que jazia sobre o piso.

        Então, de súbito, os horríveis olhos, mais negros até do que a face requeimada em que se
  incrustavam,   abriram-se   numa   expressão   que   eu   não   soube   interpretar.   Os   lábios   arruinados
  tentaram articular palavras incompreensíveis. Em dado momento, captei o nome de Charles Le
  Sorcier, e novamente tive a impressão de que as palavras “anos” e “maldição” brotavam da boca
  contorcida. No entanto ainda não havia como atinar com o sentido de seu discurso desconexo.
  Frente à minha evidente ignorância quanto ao significado, os olhos de breu, mais uma vez, me
  fuzilaram malignamente, a ponto de que, mesmo reconhecendo a completa impotência de meu
  oponente, estremeci ao olhar para ele.

        De repente, aquele resto, animado por um último ímpeto de força, levantou sua lamentável
  cabeça   do   piso  úmido    e   lodoso.  Por   fim,  como  eu   não   me   movesse,   paralisado   de   medo,
  conseguiu falar e, no seu derradeiro sopro, gritou estas palavras que desde então têm assombrado
  todos os meus dias e as minhas noites. “Tolo!”, berrou, “Não consegue adivinhar meu segredo?
  Não tem cérebro para reconhecer a vontade que durante séculos levou a cabo a terrível maldição
  contra a   casa? Não lhe falei a respeito do elixir da vida eterna? Não sabe como o segredo da
  Alquimia foi resolvido? Já lhe digo: fui eu! eu! eu! que vivi por seiscentos anos para conduzir
  minha vingança – pois sou Charles Le Sorcier!”

                                                   
Fontes: Renato Suttana , site http://www.arquivors.com.
 e-mail   rsuttana@arquivors.com 

www.sitelovecraft.com         e-mail 3103@yahoo.com.br 

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