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domingo, 7 de agosto de 2011

W.W.Jacobs-A Pata do Macaco-Conto Fantasmagórico



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  A PATA DO MACACO


Por:    W.W.Jacobs

Henry James (Nova York, 15 de abril de 1843 — Londres, 28 de fevereiro de 1916) foi um escritor norte-americano, naturalizado britânico em 1915. Uma das principais figuras do realismo na literatura do século XIX. Autor de alguns dos romances, contos e críticas literárias mais importantes da literatura de língua inglesa.
                                        I

      Lá fora, a noite estava fria e úmida, mas na pequena sala de estar de
Laburnam Villa, as venezianas estavam fechadas e  o fogo ardia vivamente.
Pai e filho jogavam xadrez, o primeiro, para quem o jogo envolvia mudan-
ças bruscas, arriscava o rei em lances súbitos e desnecessários que arranca-
vam até mesmo comentários da senhora de cabelos brancos a tricotar placi-
damente ao lado da lareira.
      “Ouça o vento”, disse o sr. White, que, ao verificar tarde demais um
lance fatal, estava benevolamente desejoso de impedir que seu filho o visse.
      “Estou   ouvindo”,   disse   este   último,  examinando   implacavelmente   o
tabuleiro enquanto estendia a mão. “Xeque.”
      “Acho difícil ele vir esta noite”, disse seu pai, com as mãos pousadas
sobre o tabuleiro.
      “Mate”, retrucou o filho.
      “Esse é o mal de viver em lugar tão remoto”, vociferou sr. White, com
uma veemência súbita e involuntária;  “de todos os lugares abomináveis, la-
macentos e remotos para morar, este é o pior. A trilha é um lamaçal, e a es-
trada, uma torrente. Não sei o que as pessoas estão pensando. Imagino que,
porque apenas duas casas no caminho estão alugadas, não há motivo para se
importar”.


      “Deixe   estar,   querido”,   disse   sua   mulher,   com   brandura;  “talvez   na
próxima você ganhe.”
      O sr. White levantou os olhos bruscamente, a tempo de interceptar um
olhar de entendimento entre mãe e filho. As palavras detiveram-se em seus
lábios, e ele escondeu um sorriso de culpa na barba rala e grisalha.
      “Lá vem ele”, disse Herbert White, enquanto o portão bateu e pisadas
sonoras aproximavam-se da porta.
      O velho senhor levantou-se pressuroso e, quando abriu a porta, ouvi-
ram-se suas expressões de compaixão dirigidas ao recém-chegado. Também
este exprimiu suas queixas, e a sra. White disse: “Ora, vamos!” e tossiu deli-
cadamente quando seu marido entrou na sala, seguido por um homem cor-
pulento e alto, com olhos de botão e face rubicunda.
      “Major Morris”, disse ele, apresentando-o.
      O sargento-major cumprimentou-os e, sentando-se no lugar oferecido,
ao lado da lareira, observou satisfeito enquanto seu anfitrião pegou uísque e
copos e pôs uma pequena chaleira no fogo.
      Ao terceiro copo, seus olhos tornaram-se mais brilhantes e ele come-
çou a falar, com o pequeno círculo familiar a olhar com vivo interesse o vi-
sitante de lugares distantes, enquanto ele endireitava seus ombros largos na
cadeira e falava de estranhas paisagens e feitos audazes, de guerras, pestes e
povos estranhos.
      “Vinte e um anos disso”, disse o sr. White, acenando para a mulher e o
filho. “Quando ele se foi, era um jovem franzino no armazém. E ei-lo ago-
ra.”
      “Ele não parece ter se saído mal”, disse a sra. White educadamente.
      “Eu  também  gostaria  de  ir  à  Índia”,  disse o velho  senhor,  “somente
para dar uma olhada, entendam-me.”
      “Você está melhor aqui”, disse o major, balançando a cabeça. Ele de-
pôs o copo vazio e, dando um suspiro leve, balançou-a novamente.
      “Eu gostaria de ver aqueles templos antigos, os faquires e os malaba-
ristas”,  disse  o  velho  senhor.  “Como   foi   aquilo   que   você   começou   a   me
contar no outro dia, sobre a pata de um macaco ou algo assim, Morris?”

                                       

      “Nada,  não”,   disse  apressadamente  o  soldado.  “Pelo   menos   nada   de
importante.”
      “Pata de macaco?” indagou a sra. White, curiosa.
      “Bem, é apenas um pouco daquilo que vocês poderiam chamar de má-
gica, talvez”, disse o major, bruscamente.
      Seus três ouvintes inclinaram-se para frente, curiosos. O visitante, ab-
sorto,  colocou   seu   copo   vazio   na   boca   e   então   baixou-o   novamente.   Seu
anfitrião serviu-lhe mais uma dose.
      “Olhando-a”, disse o major, procurando em seu bolso, “é apenas uma
pata pequena e comum, mumificada.”
      Ele tirou algo do bolso e estendeu-o. A sra. White recuou com uma ca-
reta, mas seu filho, pegando-a, examinou-a com interesse.
      “E o que há de especial nela?”, indagou o sr. White ao tomá-la de seu
filho e, depois de examiná-la, colocou-a sobre a mesa.
      “Um velho faquir lançou-lhe um feitiço”, disse o major, “um homem
muito santo. Ele queria mostrar que o destino governa a vida das pessoas e
que aqueles que se interpunham entre eles se arrependiam. Ele lançou sobre
essa pata um feitiço para que três diferentes homens pudessem lhe fazer três
pedidos.”
      Sua atitude era tão impressionante que os ouvintes perceberam as suas
alegres risadas soarem de forma um tanto estridente.
      “Bem, e por que o senhor não pediu os três?”, disse sagazmente Her-
bert White.
      O soldado olhou para ele como costuma alguém de meia-idade olhar
para a juventude presunçosa. “Eu pedi”, disse ele calmamente, e seu rosto
enodoado ficou branco.
      “E você obteve de verdade os três pedidos?”, perguntou a sra. White.
      “Obtive”, disse o major, e seu copo bateu em seus dentes fortes.
      “E ninguém mais fez pedidos?”, indagou a velha senhora.
      “O   primeiro   homem   obteve,   sim,   os   três   pedidos”,   foi   a   resposta.
“Não sei quais foram os do”
      Seu tom de voz era tão solene que o silêncio caiu sobre o grupo.


       “Se seus três pedidos foram concedidos, ela nada vale para você agora,
Morris”, disse por fim o velho senhor. “Por que a guarda?”
       O soldado balançou a cabeça. “Capricho, acho eu”, disse ele vagarosa-
mente.  “Eu   pretendia   vendê-la,   mas   acho   que   não   o   farei.   Ela   já   causou
muito mal. Além disso, ninguém a comprará. Alguns pensam que é um con-
to de fadas, e aqueles que acreditam nela querem experimentá-la primeiro e
pagar depois.”
       “Se você pudesse fazer outros três pedidos”, disse o velho senhor, fi-
tando-o com um olhar penetrante, “você os obteria?”
       “Não sei”, disse o outro. “Não sei.”
       Ele pegou a pata e, balançando-a entre o indicador e o polegar, subi-
tamente jogou-a no fogo. White, com um leve grito inclinou-se e conseguiu
arrebatá-la do fogo.
       “É melhor deixá-la queimar”, disse o soldado solenemente.
       “Se você não a quer, Morris”, disse o velho, “dê-a para mim.”
       “Não”, disse seu amigo, teimosamente. “Eu a atirei ao fogo. Se você
guardá-la, não me culpe pelo que possa acontecer. Atire-a de novo no fogo,
como um homem sensato.”
       O outro balançou a cabeça e examinou atentamente sua nova proprie-
dade. “Como você o faz?”, indagou.
       “Segure-a na mão direita e faça seu pedido em voz alta”, disse o major,
“mas aviso-o das conseqüências.”
       “Soa como as Mil e uma noites” 1, disse a sra. White, que se levantou e

começou a pôr a mesa para a ceia.
       “Você não acha que poderia desejar quatro pares de mãos para mim?”

  1
   The Arabian Nights. Coletânea de contos, fábulas, contos de fadas, romances, farsas, lendas,
parábolas, narradas pela personagem Scherazade, cada noite, ao Sultão que a condenara â morte, e
assim,   espertamente,  ir  escapando   da   punição.  As   histórias   se   passam  em  grande   variedade  de
cenários, como Bagdá, Basrah, Cairo, Damasco, e incluem também a China, África do Norte e
Turquia. Existem inúmeras versões e traduções das Mil e Uma Noites através dos séculos, sendo o
conjunto considerado tesouro da humanidade (N.E.).


      Seu marido tirou o talismã do bolso e então todos os três caíram na
gargalhada quando o major, com um olhar assustado no rosto pegou-o pelo
braço.
      “Se você for fazer um pedido”, disse ele rispidamente, “que seja algu-
ma coisa sensata.”
      O sr. White colocou-a novamente no bolso e, posicionando as cadeiras,
conduziu o amigo à mesa.
      Ocupados com a ceia, o talismã foi deixado de lado e depois os três
sentaram-se para   ouvir,   enfeitiçados,   uma   segunda   parte   das   aventuras   do
soldado na Índia.
      “Se a história sobre a pata do macaco não é mais verdadeira do que as
que ele acabou de nos contar”, disse Herbert, assim que a porta se fechou
atrás de seu convidado, a tempo dele tomar o último trem, “não deveremos
lhe dar muito crédito.”
      “Você lhe deu algum dinheiro por ela, papai?”, indagou a sra. White,
fitando seu marido.
      “Uns trocados”, disse ele, com um leve rubor. “Ele não queria, mas eu
o fiz aceitar. E ele insistiu novamente para que eu a jogue fora.”
      “Com razão”, disse Herbert, fingindo medo. “Ora, vamos ficar ricos,
famosos  e   felizes.   Quero   ser   imperador,   papai,   para   começar;   e   o   senhor
não será mais controlado pela mamãe.”
      Ele correu em volta da mesa, perseguido pela difamada sra. White, ar-
mada com uma daquelas peças que se usam para proteger o espaldar de pol-
tronas. O sr. White tirou do bolso a pata e fitou-a, indeciso. “Não sei o que
pedir, essa é a verdade”, disse ele lentamente. “Parece que tenho tudo que
quero.”
      “Se o senhor saldasse a casa, ficaria muito feliz, não é?”, disse Herbert,
com a mão em seu ombro. “Bem, peça duzentas libras e pronto.”
      Seu   pai,   com   um   sorriso   envergonhado  por   sua   própria   credulidade,
levantou o talismã enquanto seu filho, com uma expressão solene, um tanto
contrariada por uma piscadela para a mãe, sentou-se ao piano e tocou alguns
acordes grandiosos.


      “Desejo duzentas libras”, disse o velho senhor em voz clara.
      Um belo acorde do piano acompanhou as palavras, interrompido por
um grito sobressaltado do velho senhor. Sua mulher e o filho correram até
ele.
      “Ela moveu-se”, exclamou, com um olhar de repugnância para o obje-
to, que jazia no chão. “Enquanto eu fazia o pedido, ela torceu-se em minhas
mãos como uma cobra.”
      “Bem, não vejo o dinheiro”, disse seu filho, enquanto a pegava e colo-
cava sobre a mesa, “e aposto que nunca verei.”
      “Deve ter sido sua imaginação, pai”, disse sua mulher, fitando-o ansio-
samente.
      Ele balançou a cabeça. “Mas não importa; não se fez nada de mau, mas
ainda assim fiquei chocado.”
      Eles sentaram-se ao lado da lareira novamente, enquanto os dois ho-
mens terminavam seus cachimbos. Lá fora, o vento soprava cada vez mais
forte, e o velho deu um pulo de susto quando uma porta bateu no andar
superior. Um silêncio incomum e opressivo envolveu os três, até que o ve-
lho casal levantou-se para ir dormir.
      “Acho que o senhor encontrará o dinheiro enrolado em um saco gran-
de no meio de sua cama”, disse Herbert, quando lhe deu boa-noite, “e algo
terrível empoleirado no alto do guarda-roupa observando-o enquanto o se-
nhor embolsa seus lucros mal ganhos.”
      O sr. White permaneceu sozinho no escuro, observou as brasas e viu
faces formarem-se nelas. A última era tão horrível e simiesca que a encarou
espantado.  Parecia tão vivida que provocou nele um sorriso constrangido;
pegou de sobre a mesa uma vasilha com água e despejou-a no braseiro. Sem
querer, tocou a pata do macaco e sentiu um leve calafrio; esfregou as mãos
nas vestes e foi para a cama.


                                            II

      Ao brilho do sol hibernai na manhã seguinte, que flutuava sobre a me-
sa de desjejum, Herbert riu de seus temores. Na sala havia um ar de saúde
prosaica de que ela carecera na noite anterior, e a patinha suja e enrugada
estava jogada no aparador com desatenção e não indicava nenhuma grande
crença em suas virtudes.
      “Acho   que   todos   os   velhos   soldados   são   iguais”,   disse   a   sra.   White.
“Que idéia a nossa, de ouvir tais bobagens! Como poderiam os desejos ser
atendidos hoje em dia? E se pudesse, como duzentas libras poderiam trazer-
lhe algum mal, pai?”
      “Poderiam cair do céu em sua cabeça”, disse o frívolo Herbert.
      “Morris disse que as coisas aconteceram tão naturalmente”, disse seu
pai, “que se poderia, caso se quisesse, atribuí-las à coincidência.”
      “Bem,   não   abra   o   pacote   de   dinheiro   antes   de   minha   volta”,  disse
Herbert enquanto levantava-se da mesa.
      “Receio que ele o transformará em um homem malvado, avarento, e
teremos de deserdá-lo.”
      Sua mãe riu e, acompanhando-o até a porta, observou-o enquanto ele
caminhava pela estrada; ao retornar   à mesa do café da manhã, ela parecia
divertir-se com a credulidade do marido. Mas isso não a impediu de correr
para a porta quando o carteiro bateu, nem de fazer uma breve referência ao
major aposentado beberrão, guando descobriu que o correio trouxera uma
conta do alfaiate.
      “Herbert com certeza fará mais algumas de suas observações jocosas
quando chegar a casa”, disse ela, enquanto se sentavam para jantar.
      “Também acho”, disse o sr. White, servindo-se de um pouco de cerve-
ja, “mas ainda assim a coisa moveu-se em minha mão; juro que sim”.
      “Você pensou que ela se moveu”, disse a velha senhora, apaziguando-
o.

                                      

      “Digo que ela se moveu”, replicou o outro. “Não tenho dúvidas disso;
eu tinha apenas... O que foi?”
      Sua mulher não respondeu. Estava observando os movimentos miste-
riosos de um homem lá fora, que espiava a casa de um modo indeciso e pa-
recia tentar se decidir a entrar.
      Em uma associação mental com as duzentas libras, ela notou que o es-
tranho estava bem-vestido e usava um chapéu de seda reluzentemente novo.
Por três vezes ele se deteve no portão e depois caminhou novamente. Na
quarta vez, pôs a mão sobre ele e então, com decisão súbita abriu-o e cami-
nhou pela entrada. A sra. White, no mesmo momento colocou as mãos atrás
de si e, desatando apressadamente as fitas de seu avental, pôs essa peça útil
de vestuário embaixo da almofada de sua cadeira.
      Ela trouxe o estranho, que parecia   pouco à vontade, para a sala. Ele
olhou furtivamente a sra. White e ouviu com expressão preocupada quando
a velha senhora se desculpou pela aparência da sala e o paletó de seu marido,
uma vestimenta que ele geralmente reservava para o jardim. Então ela espe-
rou tão pacientemente quanto lhe permitia seu sexo que ele declarasse a que
vinha, mas ele ficou a princípio estranhamente calado.
      “Eu... pediram-me que viesse”, disse ele por fim e parou, pegando uma
linha de algodão de suas calças. “Venho a pedido de Maw e Meggins.”
      A   velha   senhora   assustou-se.  “Aconteceu   alguma   coisa?”  perguntou
ofegante. “Aconteceu alguma coisa com Herbert? O que foi? O que foi?”
      Seu   marido   interrompeu-a.  “Ora,   ora,   mãe”,   disse   ele   acudindo-lhe.
“Sente-se e não tire conclusões apressadas. O senhor não trouxe más notí-
cias, tenho certeza, senhor”, e ele olhou para o outro ansiosamente.
      “Sinto muito...”, começou o visitante.
      “Ele está ferido?”, inquiriu a mãe.
      O visitante fez que sim com a cabeça. “Gravemente ferido”, disse ele
calmamente, “mas não sente dor”.
      “Graças a Deus!”, disse a velha senhora, juntando as mãos. “Graças a
Deus! Graças...”


      Ela silenciou subitamente, quando o sinistro significado da afirmação
se   lhe revelou   e   ela   viu   a   terrível   confirmação   de   seus   temores   no   modo
como   o   outro  lhe   evitava   o   olhar.   Ela   prendeu   a   respiração   e,   virando-se
para o seu lento marido, pôs sua mão velha e tremente sobre a dele. Fez-se
um longo silêncio.
      “Ele ficou preso na máquina”, disse o visitante por fim, em voz baixa.
      “Preso na máquina”, repetiu o sr. White como que atordoado, “sim”.
      Ele sentou-se, fitou com olhos vazios a janela e, tomando entre a sua a
mão de sua mulher, apertou-a como costumava fazer em seus dias de namo-
ro, quase quarenta anos atrás.
      “Ele era o último filho que nos restara”, disse, virando-se amavelmente
para o visitante. “É difícil.”
      O outro tossiu e, levantando-se, caminhou silenciosamente até a janela.
“A firma pediu-me que lhes manifestasse suas sinceras condolências por sua
grande  perda”,   disse,   sem   olhar   em   volta.  “Rogo-lhes   que   compreendam,
sou apenas um funcionário e apenas obedeço a ordens.”
      Não houve resposta; o rosto da velha senhora estava branco, os olhos
arregalados e a respiração inaudível; no rosto de seu marido havia uma ex-
pressão que poderia muito bem ter sido provocada pela primeira história do
major.
      “Eu ia dizendo que Maw e Meggins se eximem de toda responsabilida-
de”, continuou o outro. “Eles não pretendem absolutamente recuar quanto
a isso, mas, em consideração aos serviços de seu filho, desejam oferecer-lhes
uma certa quantia como compensação.”
      O sr. White deixou cair a mão de sua mulher e, levantando-se, dirigiu a
seu  visitante   um   olhar   de   terror.   Seus   lábios   secos   proferiram   a   palavra:
“Quanto?”
      “Duzentas libras”, foi a resposta.
      Sem se dar conta do grito de sua mulher, o velho senhor sorriu leve-
mente, estendeu as mãos como um cego e caiu no chão como um fardo i-
nerte.

                                      

                                            III

      No   imenso  cemitério   novo,  a   algumas   milhas   de  distância,   os velhos
enterraram seu morto e voltaram para uma casa envolta em sombra e silên-
cio. Tudo terminou tão rapidamente que de início eles mal conseguiram dar-
se   conta e   permaneceram   em   um   estado   de   expectativa,   como   a   aguardar
mais um acontecimento — um acontecimento que tornasse mais leve aquele
fardo, pesado demais para velhos corações.
      Mas passaram-se os dias e a expectativa deu lugar à resignação — a re-
signação desalentada da antiga, e, muitas vezes mal-denominada apatia. Por
vezes eles mal trocavam alguma palavra, pois agora nada tinham sobre o que
conversar, e seus dias se arrastavam na monotonia.
      Foi cerca de uma semana depois que o velho senhor, acordando subi-
tamente à noite, estendeu a mão e viu-se sozinho. O quarto estava escuro, e
o som de choro sufocado vinha da janela. Sentou-se na cama e pôs-se à es-
cuta.
      “Volte”, disse ele, com ternura. “Você vai ficar com frio.”
      “Está mais frio para meu filho”, disse a velha senhora e pôs-se nova-
mente a chorar.
      O   som   de   seus   soluços   morreram   nos   ouvidos   dele.   A   cama   estava
morna,   e  seus   olhos,   pesados   de   sono.   Ele   cochilou   intermitentemente   e
depois   dormiu,  até   que   um   grito   desvairado   de   sua   mulher   acordou-o   de
súbito.
      “A pata do macaco!”, gritou ela, descontrolada. “A pata do macaco!”
      Ele pulou, assustado. “Onde? Onde ela está? O que aconteceu?”
      Cambaleante, ela atravessou o quarto até ele. “Eu a quero”, disse ela,
calmamente. “Você a destruiu?”
      “Ela   está   na   sala   de   estar,   na   prateleira”,   respondeu   surpreso.  “Por
quê?”
      Ela gritava e ria ao mesmo tempo e, inclinando-se, beijou seu rosto.


      “Acabei de pensar nisso”, disse ela histericamente. “Por que não pen-
sei nisso antes? Por que você não pensou nisso?”
      “Pensar no quê?”, indagou ele.
      “Os outros dois pedidos”, respondeu ela rapidamente. “Fizemos ape-
nas um.”
      “E não foi o bastante?”, replicou ele com raiva.
      “Não”, exclamou ela triunfantemente; “faremos mais um. Desça e pe-
gue-a, depressa; peça que nosso filho viva novamente”.
      O homem sentou-se na cama e jogou os lençóis de suas pernas trêmu-
las. “Deus do céu, você enlouqueceu!”, exclamou ele, estupefato.
      “Pegue-a”, disse ela ofegante; “pegue-a, rápido, e faça o pedido... Oh!,
meu menino, meu menino!”
      O   marido   riscou  um fósforo  e  acendeu  a  vela.  “Volte   para   a   cama”,
disse ele, hesitante. “Você não sabe o que está dizendo.”
      “Nosso   primeiro   pedido   foi   atendido”,   disse   a   velha   mulher,   febril-
mente; “por que não o segundo?”
      “Uma coincidência”, gaguejou o velho.
      “Vá e peça”, gritou sua mulher, tremendo de excitação.
      O velho homem agitou-se, e falou para ela, a voz comovida: “Ele já es-
tá morto há dez dias e, ainda mais, há algo que não quis que você soubesse...
só  consegui   reconhecê-lo   pelas   roupas.   Se   a   cena   era,   então,   demasiada-
mente horrível de se ver, o que não será agora?”
      “Traga-o de volta”, gritou novamente a velha, e arrastou-o em direção
à porta. “Você acha que terei medo da criança que criei?”
      Ele desceu no escuro e tateou até a sala de estar e depois ao console da
lareira. O talismã estava em seu lugar, pegou-o; um medo terrível de que o
pedido calado trouxesse seu filho mutilado antes que pudesse fugir da sala
tomou conta dele. Prendeu a respiração quando descobriu que havia perdi-
do a direção da porta. Com a fronte coberta de suor, caminhou às apalpade-
las em volta da mesa e tateou pela parede até encontrar-se no corredor es-
treito com aquela coisa maligna na mão.

                                     

      Até mesmo o rosto de sua mulher parecia mudado  quando ele entrou
no quarto. Estava branco e ansioso e, como ele temia, com uma expressão
anormal.
      Ele ficou com medo dela.
      “Faça o pedido!”, gritou ela, com voz forte.
      “É uma tolice e uma perversidade”, balbuciou.
      “Faça o pedido”, repetiu sua mulher.
      Ele levantou a mão. “Desejo que meu filho viva novamente.”
      O talismã caiu ao chão, e ele olhou-o, a tremer. Depois desabou tre-
mendo em uma poltrona, enquanto a velha, com olhos chamejantes, cami-
nhou para a janela e levantou a persiana.
      Ele ficou sentado até sentir-se enregelado, relanceando de quando em
quando  a   figura   da   velha   a   espiar   pela   janela.   A   vela,   que   queimara   até   a
borda do candeeiro de louça, lançava sombras palpitantes sobre o teto e as
paredes,   até   que,   com   um  lampejo   maior,   apagou-se.   O   velho,   com   uma
sensação   de   indizível   alívio   pelo  fracasso   do   talismã,   arrastou-se   de   volta
para a cama, e, após um minuto ou dois, a velha juntou-se a ele, silenciosa e
apática.
      Nenhum dos dois falou, mas puseram-se silenciosamente a ouvir o ti-
que-taque do relógio. Um degrau da escada estalou, e um camundongo cor-
reu ruidosamente e a guinchar pela parede. A escuridão era opressiva, e após
permanecer deitado por algum tempo, a reunir coragem, o marido pegou a
caixa de fósforos e, acendendo um, desceu as escadas à procura de uma vela.
      Ao pé da escada, o fósforo apagou-se, e ele parou para acender outro;
no mesmo instante, uma batida, tão surda e furtiva que mal pôde ser ouvida,
soou à porta da frente.
      Os fósforos lhe caíram da mão. Ele ficou imóvel, a respiração suspen-
sa   até  que   a   batida   repetiu-se.   Então   ele   virou-se   e   disparou   de   volta   ao
quarto e fechou a porta atrás de si. Uma terceira batida ressoou pela casa.
      “O que foi isso?”, exclamou a velha, dando um pulo.
      “Um rato”, disse o velho, com voz tremida —  “um rato. Ele passou
por mim na escada.”

                                     

      Sua mulher sentou-se na cama, à escuta. Uma batida forte ressoou pela
casa.
      “É Herbert!”, gritou ela. “É Herbert!”
      “O que foi isso?”, repetiu a velha.
      Ela correu para a porta, mas seu marido alcançou-a antes e, pegando-a
pelo braço, abraçou-a com força.
      “O que você vai fazer?”, sussurrou ele asperamente.
      “É meu menino; é Herbert!”, gritou ela, debatendo-se descontrolada-
mente. “Eu me esqueci que foi a duas milhas de distância. Por que você está
me segurando? Solte-me. Preciso abrir a porta.”
      “Pelo amor de Deus, não o deixe entrar”, gritou o velho a tremer.
      “Você   está   com   medo   de seu   próprio   filho”,   tentou   se   desvencilhar.
“Solte-me. Estou indo, Herbert. Estou indo.”
      Houve mais uma batida e mais outra. A velha, com um súbito repelão
libertou-se e correu para fora do quarto. Seu marido seguiu-a até o patamar
e chamou-a suplicante enquanto ela descia correndo a escada. Ele ouviu a
corrente chacoalhar com estrépito e o ferrolho soltar-se lenta e penosamen-
te do encaixe. Então a voz da velha senhora, tensa e ofegante:
      “O ferrolho”, gritou alto. “Desça. Não consigo soltá-lo.”
      Mas seu marido estava com as mãos e joelhos tateando loucamente à
procura da pata. Se ao menos ele conseguisse encontrá-la antes que a coisa
de fora entrasse... Uma completa bateria de batidas reverberou pela casa, e
ele ouviu o arrastar de uma cadeira quando sua mulher a colocou no corre-
dor contra a porta. Ele ouviu o ranger do ferrolho a deslizar e no mesmo
instante encontrou a pata do macaco e freneticamente soprou seu terceiro e
último pedido.
      A batida cessou subitamente, embora seus ecos ainda se ouvissem pela
casa. Ele ouviu a cadeira ser retirada, e a porta, aberta. Um vento frio varreu
a escada, e um longo e alto gemido de desapontamento e desespero de sua
mulher deu-lhe coragem para correr em sua direção, e então para o portão.
O bruxulear do lampião no lado oposto da rua iluminou uma estrada calma
e deserta.

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